Há alguns anos houve um boom no mercado nacional relacionado a campanhas publicitárias, produtos e processos de inclusão que buscasse valorizar grupos sociais historicamente subrepresentados como pessoas negras, LGBTQI+, pessoas com necessidades especiais, idosos, entre outros.
Nessa perspectiva, muito vem sendo discutido para solucionar questões históricas de discriminação através do marketing inclusivo e uma das palavras-chave que permeiam a discussão é a representatividade.
Após os protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), potencializados com o assassinato violento de George Floyd em maio de 2020, a mídia mundial passou a discutir as questões raciais com mais abrangência e a consciência sobre a mitigação das desigualdades tornou-se maior. No entanto, muito ainda há que ser feito para que haja uma relação mais balanceada entre como pessoas negras e brancas são representadas, ocupam postos e recebem o mesmo salário desempenhando as mesmas funções.
De acordo com matéria de Marina Estarque e Priscila Camazano para a Folha de São Paulo, as mulheres negras movimentam cerca de R$ 704 bilhões por ano e constituem aproximadamente 28% da população brasileira, ultrapassando a população dos homens brancos do país, que é de 17 milhões.
No entanto, apenas 7,4% dos comerciais de T.V. são protagonizados por mulheres negras, segundo dados da pesquisa Todxs, da agência Heads. Se o escopo é ampliado, abrangendo a totalidade das pessoas negras no país, 68% desta parte da população (aproximadamente 52%, contando autodeclarados negros e pardos) não se sente representada pelas marcas em geral, segundo levantamento realizado pelo Instituto Datafolha em parceria com a Mindset-WGSN. O estudo levanta ainda que 69% considera que marcas se utilizam do Dia da Consciência Negra para se aproveitar comercialmente, mas de maneira vazia e oportunista.
Este falso comprometimento com as questões sociais dos subrepresentados passou a ser chamado de tokenismo (advindo do termo “token”, que em inglês significa “símbolo”). Ou seja, marcas ou empresas inserem uma pessoa representante de uma minoria social para compor parte do time, no entanto, esta pessoa, além de ser a única, ou uma das únicas, representada no grupo, ela não tem a mesma participação de decisão e autoridade que as outras de outros grupos de hegemonia social. Desse modo, grupos que praticam o tokenismo buscam se isentar de uma responsabilidade social, mas, na prática, não buscam, de fato, dar fim às desigualdades estruturais advindas de processos históricos.
Segundo a pesquisadora e docente da UFSC, Lia Vainer Schucman, as pessoas brancas se beneficiam da estrutura racista que compõe o tecido social brasileiro. Deste modo, para que a verdadeira inclusão seja realizada, é necessário que filtros que não contemplam a diversidade social do país sejam abolidos, dando lugar a outras medidas avaliativas de competências para inserir grupos minoritários em ambientes profissionais, midiáticos, artísticos, etc.
Para a pesquisadora, em entrevista a UOL, “Qualquer discurso de mérito no Brasil é a supremacia branca agindo, está atrelado à branquitude. Somos super supremacistas. Se tem um país que é supremacista branco é o Brasil”, e também afirma que as políticas meritocráticas são um mecanismo de maior exclusão para a população que enfrenta dificuldades para concluir o ensino básico e superior.
Parte dos problemas de representatividade e inclusão enfrentados pela população negra também aparece nas pautas da comunidade LGBTQIA+. O mercado vem desenvolvendo campanhas para que pessoas com diferentes orientações sexuais se vejam representadas, mas muitas vezes essa população ainda enfrenta problemas quando o assunto é: ser validado enquanto sujeito social.
Exemplo disso é a pesquisa feita pela Visual GPS 2021 da Getty Images, que aponta apenas 20% dos entrevistados globais reconhecem pessoas LGBTQIA+ nas imagens de mídia, mas que grande parte destas imagens associa as pessoas a estereótipos de gênero e performance. Para Tristen Norman, chefe da parte criativa do Getty Images, apesar do crescimento dessa população nas campanhas de mídia, ainda são “grosseiramente subrepresentadas”, pois não são retratados como pessoas reais, mas ligadas a um grupo homogêneo e estereotipado.
Muitas marcas brasileiras focaram em campanhas com pessoas gays, lésbicas, transgêneras, queers e não binárias. O setor de grandes lojas de varejo, streaming e fast-food foram as que mais apostaram na diversidade sexual e de gênero como uma possibilidade de engajamento de público. Muito disso se deve às práticas de “cancelamento” através das redes sociais, nas quais os usuários se mobilizam para questionar ou reivindicar o posicionamento de marcas ou famosos sobre temas recorrentes no cotidiano. Aparentemente, de acordo com matéria do portal Smart Insights, as campanhas costumam acontecer durante o Mês do Orgulho LGBTQIA+, que no Brasil é comemorado em junho.
Isso mostra como a preocupação com esse grupo minoritário em direitos não é levada em consideração no decorrer de todo o ano. Fora do período de datas de resistência, campanhas de marketing ainda são majoritariamente focadas em grupos cis-heteronormativos formado por pessoas lidas como brancas no Brasil.
Este movimento é reflexo de uma mercantilização (tokenismo) de uma luta histórica de pessoas em situação de vulnerabilidade, pois, de acordo com o Trans Murder Monitoring (Observatório de Pessoas Trans), em 2020 o Brasil esteve no topo da lista de países onde mais pessoas trans são assassinadas. Ou seja, ainda há um longo caminho para que a mesma representatividade apresentada pelas campanhas de marketing e “produtos gays” esteja refletida como protagonismo social e integridade deste grupo.
Pessoas com necessidades especiais (PNEs) também integram o grupo populacional que passou a ser mais representado nas mídias e também ocupando postos de trabalho. De acordo com o IBGE, 17% da população brasileira é composta por pessoas com algum tipo de deficiência, no entanto, ao contrário do que se pensa geralmente, grande parte destas pessoas são ativas socialmente. Mesmo assim, as barreiras ainda são muitas, pois apenas 28% das pessoas com necessidades especiais ocupam cargos de trabalho em empresas no país.
Assim como outros grupos subrepresentados, PNEs pontualmente aparecem em campanhas da grande mídia, evidenciados majoritariamente em setembro, considerado no Brasil o Mês da Inclusão.
Apesar de campanhas que buscam aproximar as grandes marcas deste grupo populacional, como o carrinho de compras para pessoas cegas da Ambev, ou a iniciativa de produtores de moda para pessoas com deficiência, ainda há um grande abismo em termos de representatividade proporcionalmente falando, o que é prejudicial tanto para os PNEs quanto para as marcas que perdem público por não darem a devida atenção a essas pessoas.
Levando em consideração os aspectos levantados acima e buscando não cair em em lugares-comuns que podem reproduzir a lógica do tokenismo, a equipe de marketing do DINO, traz algumas dicas para que sua empresa tenha mais políticas inclusivas tanto no quadro de funcionários quanto nas campanhas publicitárias. Há que ressaltar que, além de ser uma estratégia de marketing, a inclusão é também um exercício de ética e cidadania. Aqui estão algumas dicas:
Busque não privilegiar apenas um tipo social. A melhor maneira de incluir é dando a mesma visibilidade para pessoas de raça, gênero, ou condições físicas diferentes. Quanto mais plural, mais representativa a marca se mostra.
Há anos que a sociedade se reinventa, buscando cada vez mais redefinir os espaços de grupos subalternizados. Ou seja, mulheres fazendo trabalhos domésticos, pessoas negras exercendo funções unicamente braçais, apenas homens brancos protagonizando papéis de executivos ou compradores de casas ou carros são estereótipos que devem ser quebrados.
Ao contratar pessoas “diferentes” remunere-as de maneira igualitária. A inclusão não deve ser feita apenas para “limpar” o nome da marca ou empresa, mas, sim, para integrar de maneira plural as diferentes figuras da nossa sociedade tão diversificada.
É importante que tais grupos sociais sejam referenciados adequadamente, de maneira respeitosa e humanizada. Para isso, estudar denominações e características de pessoas que compõem a sigla LGBTQIA+, por exemplo, ou como preferem ser chamadas as pessoas portadoras com necessidades especiais, é fundamental. Isso mostra comprometimento com o público e uma maneira de educar a população que consome a publicidade.
Como ressaltou a Dra. Lia Vainner Schucman, muitas empresas possuem requisitos muito difíceis de serem alcançados por pessoas que tem uma trajetória de subalternização. Um exemplo disso é a exigência de língua estrangeira para possíveis funcionários. O RH da empresa deve se perguntar: “é preciso mesmo que o futuro funcionário fale inglês para a vaga?”. Ao eliminar estas barreiras estruturais, uma diversidade mais plural de pessoas podem compor o time de maneira compromissada, o que guia a empresa para um olhar mais inclusivo consequentemente.
Empresas do mundo todo têm repensado as práticas de marketing, buscando criar campanhas mais inclusivas e plurais, que contemplem a diversidade cultural, sexual e racial da nossa sociedade. Por isso, adquirir conhecimento sobre as pautas apresentadas e aplicar as dicas acima é essencial.