Em abril de 2014, o Marco Civil da Internet — ou Estrutura Brasileira de Direitos Civis da Internet — foi aprovado no Congresso por meio da Lei 12.965/14 para constituir princípios e direitos aos usuários dentro da esfera virtual.
Um dos temas mais debatidos para a sua execução foi a expectativa de criminalização de qualquer comportamento vulgar, da parte dos usuários online, estabelecendo as regras que poderiam responsabilizar e afetar as empresas a partir das ações de terceiros (os usuários).
Bons exemplos disso são os fóruns e áreas destinadas aos comentários nos sites, e também as obrigações dos provedores de internet. Questões que vão ser amplamente debatidas nos dias 23 e 24 de março 2020, para quando o STF agendou uma audiência pública para ouvir especialistas e compreender mais os deveres das empresas nessas e outras questões relacionadas.
De 2014 para cá, o Marco Civil da Iinternet foi debatido à exaustão. O País registrou, nesse período, aumento exponencial no número de internautas. Hoje, 70% da população tem acesso à internet, o que abre constantemente os debates em torno da legislação.
Afinal, entre as questões que já foram assunto, é possível destacar:
Para as empresas, essas questões estão ligadas ao artigo 19 do Marco Civil da Internet. O que, constitucionalmente, permitia aos sites e provedores maior respaldo para defender-se de comentários pejorativos, por exemplo, de usuários.
Até então, isso era tido como um elemento de defesa para as empresas. Era uma garantia legal proporcionada pela elaboração de uma Política de Privacidade e os Termos de Uso desses portais. Ela serve como um atestado de segurança para o usuário, mas é também munido de pontos que protegem a empresa de ser penalizadas por esse tipo de comportamentos inapropriados e, por vezes, criminosos.
Com o iminente julgamento do STF, existem controvérsias que se chocam justamente com o artigo 19 do Marco Civil.
Para muitos, a inconstitucionalidade do artigo vai colocar em xeque a liberdade de expressão e os modelos de negócios virtuais. E não só por conta de comentários de cunho prejudicial, mas por conta do fenômeno das fake news.
O Brasil, por exemplo, é o terceiro país no ranking de maiores propagadores de notícias falsas. Isso tem causado um impacto profundo em sites que se alimentam de conteúdos de terceiros. Alguns exemplos disso são o Facebook, a Wikipédia, os fóruns e sites nutridos por usuários (TripAdvisor e Reclame Aqui, por exemplo) e também o Google.
Ou seja: a discussão se estendeu para algo que pode responsabilizar as empresas e também coibir as opiniões críticas. Um texto que, subjetivamente, possa ser interpretado como ofensa à honra de alguém deverá ser removido do site prontamente — sem ordem judicial prévia — sem o artigo 19 ainda vigente.
Ele, inclusive, é visto como um “colete à prova de balas” para as empresas se desviarem das responsabilidades. Na verdade, as empresas têm de seguir à risca qualquer determinação judicial (a remoção de ou conteúdo impróprio, por exemplo), passível de multas se constatado o descumprimento.
Basicamente, startups e grandes ideias promovidas por pessoas sem os mesmos recursos e acessibilidade a conhecimentos jurídicos vão enfrentar grandes desafios para colocarem seus sites (com conteúdos de usuários em torno).
E isso é uma das principais tendências digitais. As pessoas têm o poder, com a internet, de gerarem notícias, engajamento e distribuir o conhecimento com maior alcance. Mas, a partir da determinação de que o artigo 19 se torna institucional, o temor e a insegurança podem minar essas boas ideias de irem ao ar.
E o caso não se estende só às injúrias proferidas por usuários ou mesmo pelo aumento exponencial de fake news — no segundo semestre de 2018, por exemplo, foram contabilizados 4 milhões de casos de fake news —, mas também às novas tendências do mercado.
Exemplo disso foi o fenômeno de gifs sobre o baby Yoda (da série The Mandalorian, da plataforma de streaming da Disney), que a plataforma Giphy baniu rapidamente. Não em resposta a uma ordem judicial, mas por insegurança jurídica, justamente por medo de infringir direitos autorais. Os gifs só foram colocados no ar novamente depois de análises cuidadosas da equipe do Giphy, conforme contou a equipe da BBC neste post (em inglês).
A proximidade da votação do STF tem escancarado temores e desinformação no país. Mas, acima de tudo, tem criado a expectativa de uma revolução tão grande quanto foi o Marco Civil da Internet. Talvez não com o mesmo impacto positivo que um dia já causou.
O Marco Civil da Internet está para ser debatido e votado, mas causa mais apreensão do que expectativa positiva. O que teoricamente vem para proteger o cidadão talvez seja percebido mais como uma ameaça do que como uma medida protetora. O STF marcou para março de 2020 uma audiência pública, quando o assunto voltará a esquentar.